Tuesday, January 31, 2006

E há também (O Desassossego)







E. Munch

O GRITO









*********************

Vemos, ouvimos e lemos
Não podemos ignorar
Vemos, ouvimos e lemos
Não podemos ignorar

Vemos, ouvimos e lemos
Relatórios da fome
O caminho da injustiça
A linguagem do terror

A bomba de Hiroshima
Vergonha de nós todos
Reduziu a cinzas
A carne das crianças

D'África e Vietname
Sobe a lamentação
Dos povos destruídos
Dos povos destroçados

Nada pode apagar
O concerto dos gritos
O nosso tempo é
Pecado organizado.

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN

Paisagens que nos lavam os olhos (A Paz)


Depois
de
ver
isto,
quem
não
fica
com
uma
alma
nova ?

Poesia de vez em quando













Uma rosa amarela a desfolhar-se ao espelho
um cálice de sol derramado no chão
um pranto de trompete a pingar-me no ombro

o meu coração de outono
espreguiça-se neste delito de junho
Proust suicida-se em cima da minha cama

e o suco da tua boca de ameixa
faz de mim para sempre
a condenada à sede de todos os aromas.

Rosa Lobato de Faria

As rosas

São belas.
Não há
rosas
sem
espinhos.

Monday, January 30, 2006

Ver florir os jacarandás











Não sei porque fico tão feliz quando, em cada ano, vejo as primeiras flores de jacarandá.

Mas fico feliz: sinto estas flores como um anúncio de ressurreição na Mãe-Natureza.

Acontece-me com estas e não outras, sem razão conhecida.

É pecado e grave


Pequei !

Pôr isto

aqui à

2ª-feira:

Não se

faz ...

Com dedicatória















Para Maria_Arvore e Chuvamiuda, porque confessaram ter gostado, aqui vai outra.
Esta é para Vós.

Sunday, January 29, 2006

Fui ao campo
















Fui mesmo ao campo, neste fim de semana. Desejei e alcancei.
Fui até ao Ribatejo que, além de boa gente, de cavalos e touros, também tem a rota do vinho (Casa do Cadaval e Quinta da Alorna, onde por vezes compro umas garrafitas), tem boa comida, boas paisagens e tinha estes simpáticos bichos lá por onde andei.
E fui no sábado, porque se tivesse ido no domingo até teria neve...

Lagartos, parabéns

É assim a vida: sendo eu uma incondicional do SLB, aqui me vejo obrigada a dar os parabéns aos meus amigos que são Lagartões, aliás, a todos os jogadores, técnicos e adeptos do SCP.
Uma saudação especial a Mr. Paulo Bento, que anda sempre com um ar tão triste, sabe lá ele porquê, que nem ontem à noite conseguiu mostrar a grande alegria que, de certeza, lhe ia por dentro. Gente tão comedida, caramba, eu não sei ser assim...

Friday, January 27, 2006

Faróis distantes















Faróis distantes,
De luz subitamente tão acesa,
De noite e ausência tão rapidamente volvida,
Na noite, no convés, que consequências aflitas!
Mágoa última dos despedidos,
Ficção de pensar...

Faróis distantes...
Incerteza da vida...
Voltou crescendo a luz acesa avançadamente,
No acaso do olhar perdido...

Faróis distantes...
A vida de nada serve...
Pensar na vida de nada serve...
Pensar de pensar na vida de nada serve...

Vamos para longe e a luz que vem grande vem menos grande.
Faróis distantes...

Fernando Pessoa

Quero ir para o campo





QUERO IR DE FIM DE SEMANA, PARA O CAMPO, COMO ESTES AMIGOS...

... DESEJO TAMBÉM A VOCÊS, QUE VIEREM AQUI, UM BOM FIM DE SEMANA.

CONTOS DE FADAS















QUEM DE NÓS NÃO ACREDITOU EM FADAS ALGUM DIA ?
PELO SONHO É QUE VAMOS, NÃO É ?

Mundão grande e bonito















Eu nunca vivi em África.
África tem magia.
Eu nunca vivi na América do sul.
América do Sul tem magia.
Nunca vivi no hemisfério sul.
Há magia no hemisfério sul.
Do que conheço, no hemisfério norte também há magia.
Mundão grande e bonito.

Sou quase indiscreta a olhar para mãos


Se são os olhos de alguém as janelas da sua alma e dizem muito sobre o seu dono, eu acho que as mãos, a sua forma de estar e o modo como se relacionam uma com a outra, dizem quase outro tanto. Hoje pela manhã, no balcão da pastelaria onde vou à "bica", já observei mais de uma dúzia de pares de mãos. Vícios e indiscrições (?) ...

Thursday, January 26, 2006

Basta saber ver


Serenidade entrando pelos nossos olhos.

O que diz Richard Bach

O autor do muito conhecido "Fernão Capelo Gaivota" disse:

Não te afastes de possíveis futuros antes de teres a certeza de que nada tens a aprender com eles.

O céu conhece as razões que se escondem por detrás das nuvens e tu também as conhecerás se te elevares para lá do horizonte.

Todas as pessoas, todos os acontecimentos da nossa vida estão ali porque os criámos. Aquilo que queremos fazer com eles só depende de nós.

Aprender é descobrir aquilo que já sabemos.

Ensinar é lembrar aos outros que eles sabem tanto como nós.

Os nossos amigos conhecer-nos-ão melhor no primeiro encontro do que os nossos conhecidos em mil anos.

Será grave Sr. Doutor ?

Levo nisto de 2ª a 5ª-feira...




















e na 6ª-feira só digo: está quase, está quase...

Wednesday, January 25, 2006

Produção Nacional - Movimento 560



Apoiemos a produção nacional, é fundamental!
Compre produtos portugueses!

Tantos cheiros


Há tantos cheiros na natureza, que fazem parte dos nossos dias, que os tornam mais bonitos.
Gosto de cheiros de ervas, mais do que de flores. Gosto de cheiro a alecrim, rosmaninho, lavanda, hortelã, lúcia-lima. Gosto também do cheiro a maresia, a terra molhada, a relva cortada, a pão acabado de cozer. São todos cheiros a lavado, a fresco, a sadio, a alma limpa.
E, depois, há o cheiro mais estonteante que conheço na natureza, o das gardénias, quase pecaminoso; nem sei porque o chamo assim.

Colibris que não esqueci

Os Colibris:

Estive uma vez num quarto de hotel que tinha junto à varanda um arbusto florido. Vinham dois colibris visitá-lo por volta das seis horas da manhã. E eu estava lá, nessa varanda, a observá-los.
Há seres lindos que marcam as nossas vidas e não esquecemos. Sinto-me uma felizarda por ter vivido estes momentos.

Tuesday, January 24, 2006

Saudades de Praga






Podia
voltar
muitas
vezes.

O mundo pelos sentidos

Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.

Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto,
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei a verdade e sou feliz.

(O guardador de rebanhos)
Fernando Pessoa

Monday, January 23, 2006

José Luis Peixoto

Vá-se lá saber porquê...
Quando leio textos deste autor inunda-se-me o peito de uma ternura, uma ingenuidade doce transborda das letras, há qualquer coisa de familiar, íntimo, cordial.
Será a simplicidade de sentir sem preconceitos ?

*************
«Filho. Gostava que houvesse uma aragem qualquer que me explicasse esse teu sorriso e outra que te explicasse, sem te magoar, o meu silêncio.»

**************
«Penso: talvez o céu seja um mar grande de água doce e talvez a gente não ande debaixo do céu mas em cima dele; talvez a gente veja as coisas ao contrário e a terra seja como um céu e quando a gente morre, quando a gente morre, talvez a gente caia e se afunde no céu.»

excertos de «Nenhum Olhar»

Cada tempo com seu encanto


















Basta sabermos estar atentos.

Porque é livre como o vento


Não há machado que corte a raiz ao pensamento...
(Carlos Oliveira)

Para que construimos muralhas ?

Depois de ter cortado todos os braços que se estendiam para mim;
Depois de ter entaipado todas as janelas e todas as portas;
Depois de ter inundado os fossos com água envenenada;
Depois de ter edificado minha casa no rochedo dum NÃO inacessível aos afagos e ao medo;
Depois de ter cortado a língua e logo a devorar;
Depois de ter lançado punhados de silêncio e monossílabos de desprezo a meus amores;
Depois de ter esquecido meu nome e o nome de minha terra natal;
Depois de me ter julgado e condenado a perpétua espera e a solidão perpétua,
Ouvi contra as pedras de meu calabouço de silogismos a investida húmida,
Terna, insistente, da primavera.

Octavio Paz

O tudo das palavras

Octavio Paz

Como as pedras do Princípio
Como o princípio da Pedra
Como no Princípio pedra contra pedra
Os faustos da noite:
O poema ainda sem rosto
O bosque ainda sem árvores
Os cantos ainda sem nome.

Mas já a luz irrompe com passos de leopardo
E a palavra levanta-se ondula cai
E é uma longa ferida e um silêncio cristalino.

De tudo se compõe a vida

(re)pensado o assunto, o blog vai manter-se, porque quem o produz tem prazer em fazê-lo. Olhei o que aqui foi aparecendo ao longo de um mês e pensei: isto não sou eu.
Eu confessei no meu perfil que sou irreverente e isso ainda cá não chegou.
Depois pensei: isto também sou eu.
Algumas pessoas que me conhecem há anos, outras, menos, que me conhecem há décadas e fazem o favor de ser minhas amigas, incentivaram-me a manter este hobby.
Se “o poeta é um fingidor”, eu posso continuar a ser aqui, modestamente, uma amante das palavras, sem mais compromisso algum.
O facto de cometer algum erro, não me faz desistir, que com os erros só tento aprender. Se viver tem efeitos secundários, ter um blog também os terá.
Às vezes saímos magoados, às vezes magoamos sem querer, às vezes geramos entusiasmo, outras vezes decepção...
De tudo se compõe a vida.

Friday, January 20, 2006

Cogitando

Também sei fazer conjecturas.
Há em cada coisa aquilo que ela é que a anima.
Na planta está por fora e é uma ninfa pequena.
No animal é um ser interior longínquo.
No homem é a alma que vive com ele e é já ele.
Nos deuses tem o mesmo tamanho
E o mesmo espaço que o corpo
E é a mesma coisa que o corpo.
Por isso se diz que os deuses nunca morrem.
Por isso os deuses não têm corpo e alma,
Mas só corpo e são perfeitos.
O corpo é que lhes é alma
E têm a consciência na própria carne divina.

Fernando Pessoa

Thursday, January 19, 2006

Pensando

Pensando, com Fernando Pessoa:

A espantosa realidade das coisas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada coisa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta.

Basta existir para se ser completo.

..................

Fernando Pessoa

Wednesday, January 18, 2006

Repensar

Este blog vai repensar-se durante uns dias.

Árvore dos pássaros

Em cada manhã atravesso o jardim público e gosto de ver a grande árvore dos pássaros.
As restantes árvores são esguias, umas nuas de folhas, troncos só, verdejantes algumas outras.
Grande copa só aquela, a palmeira iluminada pelo projector de luz, que está cá em baixo na relva.
É o meu primeiro encontro com a Mãe natureza, em todos os dias de trabalho.
A imagem do jardim, da luz que ainda não é a do dia, o som dos pássaros são um tónico que me faz bem.

Só não sei dizer bonito, como dizia Ruy Belo:

Os pássaros nascem na ponta das árvores
As árvores que eu vejo em vez de fruto dão pássaros
Os pássaros são o fruto mais vivo das árvores
Os pássaros começam onde as árvores acabam
Os pássaros fazem cantar as árvores
Ao chegar aos pássaros as árvores engrossam movimentam-se
deixam o reino vegetal para passar a pertencer ao reino animal
Como pássaros poisam as folhas na terra
quando o outono desce veladamente sobre os campos
Gostaria de dizer que os pássaros emanam das árvores
mas deixo essa forma de dizer ao romancista
é complicada e não se dá bem na poesia
não foi ainda isolada da filosofia
Eu amo as árvores principalmente as que dão pássaros
Quem é que lá os pendura nos ramos?
De quem é a mão a inúmera mão?
Eu passo e muda-se-me o coração.

Tuesday, January 17, 2006

Canção (Eugenio de Andrade)

Hoje venho dizer-te que nevou
no rosto familiar que te esperava.
Não é nada, meu amor, foi um pássaro,
a casca do tempo que caiu,
uma lágrima, um barco, uma palavra.

Foi apenas mais um dia que passou
entre arcos e arcos de solidão;
a curva dos teus olhos que se fechou,
uma gota de orvalho, uma só gota,
secretamente morta na tua mão.

Sabedoria popular (Poeta Aleixo)

Não há nenhum milionário
que seja feliz como eu:
tenho como secretário
um professor do liceu. (Joaquim Magalhães)

Sei que pareço um ladrão...
mas há muitos que eu conheço
que, sem parecer o que são,
são aquilo que eu pareço.

De vender a sorte grande,
confesso, não tenho pena;
que a roda ande ou desande
eu tenho sempre a pequena.

Quem nada tem, nada come;
e ao pé de quem tem comer,
se disser que tem fome,
comete um crime, sem querer.

Eu não tenho vistas largas
nem grande sabedoria,
mas dão-me as horas amargas
Lições de Filosofia.

P'ra a mentira ser segura
e atingir profundidade,
tem de trazer à mistura
qualquer coisa de verdade.

Embora os meus olhos sejam
os mais pequenos do Mundo,
o que importa é que eles vejam
o que os homens são no fundo.

Vós que lá do vosso império
prometeis um mundo novo,
calai-vos, que pode o povo
q'rer um mundo novo a sério.


Poeta: António Aleixo

Monday, January 16, 2006

Lugares onde estive

Passagem das horas


Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que não se pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.

.......................................

Fernando Pessoa

Como Pessoa, trago dentro do coração os lugares onde estive e o desejo de conhecer mais, pois são tantos, tantos, aqueles onde não estive, aqueles onde nunca estarei.
Às vezes, tenho a sorte de conhecer um lugar, uma cidade e ficar maravilhada.
A minha última descoberta de cidade-paixão aconteceu em Outubro passado. Conheci Praga. Tenho algumas outras cidades-paixão e, então, juntei esta ao rol.
Deslumbrou-me com ruas, bairros, praças, castelo, monumentos, rio, esplanadas, bosques, teatro, música, exposições, gentes.
Talvez um dia conte aqui, como ganhei um sorriso lindo, de uma bailarina de cabaret, numa rua próxima da Praça Venceslau...

Passinhos curtos

Pela manhã, atravesso todos os dias um jardim onde, por norma, anda uma ou outra pessoa dando o passeio higiénico ao seu cão.
Pois tenho verificado que, salvo raras excepções, já andam com o respectivo saquinho “apanha-caca” na mão.
Assim, até começo a acreditar que já não somos tão “em vias de ...”
Se não o podemos dizer de outras facetas do nosso desenvolvimento, digamo-lo ao menos sobre o civismo.
É um passo curtinho, mas lá vai na direcção certa.

Sábado e domingo há revistas, boas revistas

Neste fim de semana tive oportunidade de verificar as alterações que o DN introduziu nas suas revistas de sábado e domingo. Elas são parte das minhas rotinas nesses dias.
Afinal, como diz o ditado, “para melhor muda-se sempre”, elas também estão orientadas por esta linha de pensamento.
Lá estão, ao sábado, na Notícias Sábado, o Pedro Mexia e a Cidália, imperdíveis, ao domingo, na Notícias Magazine, o Vasco Prazeres, Eduardo Sá, Zé de Bragança, a própria directora.
São revistas lidas de ponta a ponta.
Neste número de NM, não posso deixar de tecer um particular elogio à peça de Zé de Bragança.
As cenas que descreve, das visitas de cada um dos nossos hipotéticos futuros PR’s a outros tantos Chefes de Estado, estão de primeira água.
Que humor bem conseguido !
Não dá para contar, é preciso ler mesmo.
Com coisas sérias pode-se brincar. Em grande estilo.
Parabéns ao DN e às equipas das revistas.

Friday, January 13, 2006

Volto a Assis Pacheco

Já passaram mais de dez anos sobre a sua morte, mas merece sempre ser lembrado.
Falou de muitas coisas com garra, com revolta, com saudades e, como aqui se pode ver,
também com ternura pelos outros, por todos.

As putas da Avenida

Eu vi gelar as putas da Avenida
ao griso de Janeiro e tive pena
do que elas chamam em jargão a vida
com um requebro triste de açucena

vi-as às duas e às três falando
como se fala antes de entrar em cena
o gesto já compondo à voz de mando
do director fatal que lhes ordena

essa pose de flor recém-cortada
que para as mais batidas não é nada
senão fingirem lírios da Lorena

mas a todas o griso ia aturdindo
e eu que do trabalho tinha vindo
calçando as luvas senti tanta pena

Descobri por acaso e gostei.

Eloy Sanchez Rosillo
Poeta espanhol nascido em Murcia em 1948.Professor de literatura espanhola na Faculdade de Letras da Universidade de Murcia.

TIERRA DE LA SOLEDAD

Con el tiempo los cuerpos se acostumbran
a caminar completamente solos
sobre la tierra de la soledad.
Las vagas sensaciones, los recuerdos
de los lugares en los que encontramos
a alguien con quien hablar, a alguien que escuche
nuestras palabras mientras cae la tarde,
se van borrando lentamente, como
huellas que el viento apaga y desordena.
Y el eco tibio del antiguo encuentro
no persiste en la voz, en el lenguaje
con que aprendimos a nombrar las cosas.
Sólo queda la noche. Y nos perdemos
en el largo silencio de las calles vacías.
Y al llegar la madrugada
sentimos frío y respiramos muerte.

Há ilhas e ilhas

Conheço algumas ilhas, não muitas.
Gosto de ir e de estar numa ilha durante dias ou semanas, com data de regresso ao continente já ou quase definida.
Qualquer ilha mais pequena que a Austrália não seria, para mim, um bom lugar para viver.
Gosto de grandes espaços: gosto do mar mais do que dum lago, gosto do alto de um monte mais do que dum vale, gosto da savana mais do que de uma avenida. Apesar de haver lagos, vales e avenidas lindas.
Acredito que esta questão não se ponha a quem nasce numa ilha.
As ilhas moldam, de alguma maneira, o carácter das suas gentes. Quanto a isto não tenho muitas dúvidas.
No caso dos arquipélagos portugueses, Açores e Madeira, que são aqueles cujas ilhas e populações melhor conheço, acho grande diferença nas gentes e nunca percebi as razões profundas dessa diferença. Não pode estar só nos colonos iniciais.
Nos Açores há qualquer coisa de telúrico que passa da terra às gentes, que gera génios e sonhos, que gera poetas e filósofos, que gera políticos de pensamento largo.
Não sei o que falta à Madeira mas, perdoem-me os madeirenses, tem menos.
A Madeira é linda, a Madeira é um jardim, mas os Açores são o Paraíso, embora eu não queira viver no Paraíso.

Thursday, January 12, 2006

A poesia e o cherne

Acerca de Alexandre O’Neil, já li hoje no Chezmaria.blogspot e já deixei lá a referência à alcunha de Cherne do Dr. Durão Barroso.

Para termos a certeza de que não era preciso falar do peixe, aqui fica outro poema do mesmo autor, que é sobre palavras. Sobre palavras bonitas.

Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.

Wednesday, January 11, 2006

Ora toma...

Redassão:


"O mano"

Quando eu tiver um mano, vai-se chamar Herrare porque Herrare é o mano. Eu vou gostar muito do meu mano.

Fin

Gostaram ?
Eu gostei !

Tuesday, January 10, 2006

Dar brilho ao dia

Num momento em que, muitos de nós, sentimos um certo desencanto face às dificuldades que temos de enfrentar na nossa vida social, porque há questões sem solução à vista, um pouco por todo este nosso vasto mundo, poque não chegaram a todos a justiça e a liberdade, volto a pedir emprestadas as palavras encantadas de Sophia, para dar um pouco de brilho ao dia de hoje.

Liberdade

Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.

Sophia de Mello Breyner

Monday, January 09, 2006

Hoje é dia de Rosa

É dia de Rosa Lobato de Faria:

A noite inteira já não chega.
Nenhum silêncio nos consola
de ver o rio por uma nesga
entre o cimento, feito esmola.

Quando a cidade nos derrota
doi de saudade o verbo ir
como se o rio viesse à porta
com suas velas de partir.

E de mãos dadas não partimos
presos na margem de estar cá.

Só um no outro descobrimos
o horizonte que não há.

Sunday, January 08, 2006

Manias da manhã de domingo

Desengane-se quem pense, que vou dizer o quanto gosto de ficar na cama até tarde, nos domingos de manhã.
Nos outros dias da semana, ou porque vamos trabalhar, ou ao sábado porque há sempre umas compras a fazer para a dispensa ou para o frigorífico, resta mesmo só o domingo como a manhã de preguiçar, de pleno direito.
Bem sei que, como estamos no Inverno, o quentinho sabe bem ou, por outro lado, como diz o Gabriel, o Pensador, “eu estava dormindo, tentando sonhar”. Também não é mau.
Mas eu ganhei outros hábitos e já ninguém mos tira, enquanto a saúde o permitir.
Sempre que não chover, eu hei-de estar a tomar café, em frente ao mar, aí pelas dez horas da manhã. O som é só o das ondas e o das gaivotas. Folheia-se o jornal e a respectiva revista. Depois a caminhada pelo areal, até lá adiante, onde as rochas avisam “aqui, acabou a praia”.
Gosto de ir rente à orla das vagas, onde elas deixam a espuma; gosto de parar a observar as gaivotas que se assoalham em bando.
Nada, mas nada mesmo, me deixaria mais apta a enfrentar outra semana de trabalho.
Se há um domingo em que não vejo o mar, já não tem o mesmo sabor.
Temos sempre a alternativa de ver o rio, que também me toca, mas não é, de todo, a mesma coisa.Manias, cada um com as suas. Esta é uma das minhas. Gostosa.

Friday, January 06, 2006

Azulejos

E os painéis de azulejos, do palácio do Marquês de Pombal, na Rua do Século,
que fugiram de lá por alturas do Natal ? Ou foi na passagem de ano ?
Voltarão depois do Dia de Reis ?
Se forem bem comportados, voltam...
Alguém se mal comportou para dar azo a que eles fugissem !

Como diz um tal Peixoto

Como diz alguém, num anúncio que vejo na televisão, acho que é um tal Peixoto, de 57 anos, funcionário público, “ a coisa não cheira bem”.
Pode até estar tudo legalzinho e tal.
Agora a Casa de Almeida Garrett ir abaixo, assim, depois dum antes em que não podia ir abaixo, dá que pensar.
Quem é o dono ? É ministro ?
A gente, o povinho, não percebe nada disto mas, por vezes fica-se a cogitar...
Almeida Garrett já deu uma volta na tumba, a estas horas.

Antecipando um pouco

Este poema/canção que adoro, que escutei ontem à noite, que toda a gente conhece, deixo-o aqui porque amanhã vai ser sábado e porque me apetece...

Vinicius de Moraes

O dia da criação Macho e fêmea os criou. Gênese, 1, 27
I
Hoje é sábado, amanhã é domingo
A vida vem em ondas, como o mar
Os bondes andam em cima dos trilhos
E Nosso Senhor Jesus Cristo morreu na cruz para nos salvar.

Hoje é sábado, amanhã é domingo
Não há nada como o tempo para passar
Foi muita bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo
Mas por via das dúvidas livrai-nos meu Deus de todo mal.

Hoje é sábado, amanhã é domingo
Amanhã não gosta de ver ninguém bem
Hoje é que é o dia do presente
O dia é sábado.

Impossível fugir a essa dura realidade
Neste momento todos os bares estão repletos de homens vazios
Todos os namorados estão de mãos entrelaçadas
Todos os maridos estão funcionando regularmente
Todas as mulheres estão atentas
Porque hoje é sábado.

II
Neste momento há um casamento
Porque hoje é sábado
Hoje há um divórcio e um violamento
Porque hoje é sábado
Há um rico que se mata
Porque hoje é sábado
Há um incesto e uma regata
Porque hoje é sábado
Há um espectáculo de gala
Porque hoje é sábado
Há uma mulher que apanha e cala
Porque hoje é sábado
Há um renovar-se de esperanças
Porque hoje é sábado
Há uma profunda discordância
Porque hoje é sábado
Há um sedutor que tomba morto
Porque hoje é sábado
Há um grande espírito-de-porco
Porque hoje é sábado
Há uma mulher que vira homem
Porque hoje é sábado
Há criancinhas que não comem
Porque hoje é sábado
Há um piquenique de políticos
Porque hoje é sábado
Há um grande acréscimo de sífilis
Porque hoje é sábado
Há um ariano e uma mulata
Porque hoje é sábado
Há uma tensão inusitada
Porque hoje é sábado
Há adolescências seminuas
Porque hoje é sábado
Há um vampiro pelas ruas
Porque hoje é sábado
Há um grande aumento no consumo
Porque hoje é sábado
Há um noivo louco de ciúmes
Porque hoje é sábado
Há um garden-party na cadeia
Porque hoje é sábado
Há uma impassível lua cheia
Porque hoje é sábado
Há damas de todas as classes
Porque hoje é sábado
Umas difíceis, outras fáceis
Porque hoje é sábado
Há um beber e um dar sem conta
Porque hoje é sábado
Há uma infeliz que vai de tonta
Porque hoje é sábado
Há um padre passeando à paisana
Porque hoje é sábado
Há um frenesi de dar banana
Porque hoje é sábado
Há a sensação angustiante
Porque hoje é sábado
De uma mulher dentro de um homem
Porque hoje é sábado
Há uma comemoração fantástica
Porque hoje é sábado
Da primeira cirurgia plástica
Porque hoje é sábado
E dando os trâmites por findos
Porque hoje é sábado
Há a perspectiva do domingo
Porque hoje é sábado

Thursday, January 05, 2006

Santa Inocência !

Entre Natal e Dia de Reis, segundo parece, é sempre tempo de prendas, crianças e ... histórias de crianças.

Acho que as minhas amigas, que mas contaram, me vão perdoar, que eu vou cometer aqui umas inconfidências, só não digo nomes, ou uso nomes fictícios, mas as historinhas, reais, conto.

Menino desembrulhando prendas, vê uma guitarra, exclama com voz de espanto – “não aquedito , o Pai Natal enganou-se, eu não pedi nada disto !”

Outro Menino, depois de abrir as suas prendas: “ o Menino Jesus é meu amigo, deu-me mais do que eu pedia na carta !”

Irmão do menino da história anterior, recebe um envelope, lá dentro tem um cheque que deu o Avô. Vai entregar à Mãe, dizendo: “Mãe, está aqui dinheiro, que deu o Avô, para pagares o dentista. É o único local onde costuma ver a Mãe passar cheque.

Duas meninas, irmãs: uma a cantar e dançar imitando Madonna e a outra a fazer troça.
A Mãe: “Joana, não sejas sarcástica com a tua irmã !”
Sara: “Ouviste, a Mãe disse para não seres acústica comigo ?”

Finalizando, com outra de duas irmãs:
Alguém comentando sobre a mais velha: “tem uns lábios carnudos, como a Angelina Jolie”.
E a mais pequenina: “ Mãe, eu também tenho lábios cornudos ?”

Alguém sabe ?

De vez em quando, acontecem coisas que me intrigam.
Por norma, tento achar uma explicação que me pareça plausível.
Isto é o que faz o comum dos mortais, não duvido.
Hoje, estou de novo com uma interrogação, repetida, para a qual não consegui ainda uma resposta satisfatória.
Aqui deixo à consideração:
Porque é que no Outono/Inverno, em plena Rotunda do Marquês de Pombal, Lisboa, nas varandas e candeeiros da rua onde, diariamente há montanhas de pombos, aparecem, ocasionalmente, montanhas de gaivotas ?
São bandos grandes, pousadas ou em voo, de prédio para prédio, de rua para rua, num sítio afastado do mar, do rio, pelo menos relativamente afastado.
Há por aí alguém que saiba explicar ?
A turminha daqui agradece.

Wednesday, January 04, 2006

Sobre energias, sobre eleições,

Não sou particularmente apreciadora de análise política. Há decisões políticas que envolvem interesses, é a chamada verdade do amigo Banana, o La Palisse português. Não tenho a pretensão de ser capaz de compreender os meandros obscuros dos interesses que se movem no terreno das decisões políticas.
Contudo percebo, na minha limitada condição de cidadã comum, que há vastos e não claros interesses a mexer.
As energias mexem muito em toda a parte.
Mexem com invasões e ameaças de invasão em países com petróleo.
Mexem com o gás na Ucrânia.
Aqui, mexem com a GALP provavelmente – se há tanta gente culta, sabedora das coisas, deputados da oposição, candidatos a P.R., a preocupar-se, como não havemos nós, do Povo, de preocuparmo-nos ?
A seguir às energias parece que hão-de ser as águas...
Percebo, como cidadã comum, que há ricos mais ricos e pobres mais pobres no meu País, coisa de que não gosto nada.
Percebo que, como eu, muitos dos meus compatriotas já não sentem pela política e pelos políticos o mesmo respeito que se lhes concedia nos primeiros tempos da nossa democracia. Já não se lhes dá o mesmo crédito de gente de bem que, quase cegamente, diria, se lhes dava então.
Se as próximas eleições presidenciais não tivessem o leque de candidatos que conhecemos, se o PS não tivesse seguido a estratégia que seguiu, havia de vencer a abstenção.
Com efeito, nós, do Povo, que gastamos as nossas energias no dia a dia de trabalho, que perdemos o encantamento e as ilusões sobre a inocência e a transparência das decisões políticas, que não sentimos mais que todos os políticos estão “lá” em missão, antes que estão “lá”, alguns, fazendo carreira, talvez um dia tenhamos vontade de dizer: vão lá Vocês votar, Senhores políticos, que a gente cansou, não tem energia.
E daí, é melhor não, que foi duro o combate para ter o direito. Votaremos.

Tuesday, January 03, 2006

Não podemos esquecer

A falta de inspiração não impede de, hoje, dia em que nos deixou Cáceres Monteiro, nome bom das nossas letras, lembrar aqui outro nome e outros factos que não podemos esquecer.
Alguns de nós lembram-se destes tempos, destes factos, outros só ouviram falar.
Nos versos de Fernando Assis Pacheco, lembranças da guerra colonial, infelicidade de um povo oprimindo outros povos, dores que ainda hoje marcam quem por lá passou, segundo se diz.

MONÓLOGO E EXPLICAÇÃO

Mas não puxei atrás a culatra,
não limpei o óleo do cano,
dizem que a guerra mata: a minha
desfez-me logo à chegada.

Não houve pois cercos, balas
que demovessem este forçado.
Viram-no à mesa com grandes livros,
com grandes copos, grandes mãos aterradas.

Viram-no mijar à noite nas tábuas
ou nas poucas ervas meio rapadas.
Olhar os morros, como se entendesse
o seu torpor de terra plácida.

Folheando uns papeis que sobraram
lembra-se agora de haver muito frio.
Dizem que a guerra passa: esta minha
passou-me para os ossos e não sai.

****************

Juntei-me um dia à flor da mocidade
partindo para Angola no Niassa
a defender eu já não sei se a raça
se as roças de café da cristandade

a minha geração tinha a idade
das grandes ilusões sempre fatais
que não chegam aos anos principais
por defeito da própria ingenuidade

a guerra era uma coisa mais a Norte
de onde ela voltaria havendo sorte
à mesma e ancestral tranquilidade

azar de uns quantos se pagaram porte
esses a que atirou a dura morte
diz-se que estão na terra da verdade

Fernando Assis Pacheco, Respiração Assistida, Assírio & Alvim, Lisboa, 2003 ISBN 972-37-0847-7

Monday, January 02, 2006

A palavra Amigo

Primeiro dia de trabalho deste ano merece, por ser ainda ANO NOVO, que alimentemos a esperança, que aqueçamos a alma com a palavra AMIGO, dita por alguém que, não estando, estará muitos anos ainda, pela sua qualidade de poeta e de homem, entre nós:
Alexandre O’Neill

Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra «amigo».

«Amigo» é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!

«Amigo» (recordam-se, vocês aí, Escrupulosos detritos?)
«Amigo» é o contrário de inimigo!
«Amigo» é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado, É a verdade partilhada, praticada.

«Amigo» é a solidão derrotada!

«Amigo» é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
«Amigo» vai ser, é já uma grande festa!

Alexandre O’Neill, in No Reino da Dinamarca

Sunday, January 01, 2006

Dia 1 do Ano Novo

Hoje, dia 1 do Ano Novo, trago aqui algumas citações em que vale a pena meditar, embora versem uma matéria que não cabe nas minhas crenças: a reencarnação.
Contudo, a ideia é aliciante, deve reconfortar muito quem nela acredita.
São retiradas do livro “Só o amor é real”, de Brian L. Weiss, M.D.

A alma do Homem é como a água;
Dos céus provém,
Para os céus ascende
E depois retorna à terra,
Para sempre alternando.
GOETHE

Saibam, pois, que do grande silêncio retornarei…
Não olvideis que para vós voltarei…
Um breve instante, um momento de descanso
Sobre o vento, e outra mulher me trará ao mundo.
KAHLIL GIBRAN

Foi há tanto tempo!
E, no entanto, sou ainda a mesma Margaret.
Só as nossas vidas envelhecem.
Estamos onde os séculos se contam como
Segundos, e após mil vidas os nossos
Olhos começam a entreabrir-se.
EUGENE O’NEIL

A minha doutrina é:
Vive de forma a que o teu maior desejo
Seja viver outra vez – esse é o teu dever – pois,
Quer queiras quer não, viverás novamente!
NIETZSCHE

Não é mais surpreendente ter-se nascido
Duas vezes do que apenas uma; tudo
Na natureza é ressurreição.
VOLTAIRE