Tuesday, January 03, 2006

Não podemos esquecer

A falta de inspiração não impede de, hoje, dia em que nos deixou Cáceres Monteiro, nome bom das nossas letras, lembrar aqui outro nome e outros factos que não podemos esquecer.
Alguns de nós lembram-se destes tempos, destes factos, outros só ouviram falar.
Nos versos de Fernando Assis Pacheco, lembranças da guerra colonial, infelicidade de um povo oprimindo outros povos, dores que ainda hoje marcam quem por lá passou, segundo se diz.

MONÓLOGO E EXPLICAÇÃO

Mas não puxei atrás a culatra,
não limpei o óleo do cano,
dizem que a guerra mata: a minha
desfez-me logo à chegada.

Não houve pois cercos, balas
que demovessem este forçado.
Viram-no à mesa com grandes livros,
com grandes copos, grandes mãos aterradas.

Viram-no mijar à noite nas tábuas
ou nas poucas ervas meio rapadas.
Olhar os morros, como se entendesse
o seu torpor de terra plácida.

Folheando uns papeis que sobraram
lembra-se agora de haver muito frio.
Dizem que a guerra passa: esta minha
passou-me para os ossos e não sai.

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Juntei-me um dia à flor da mocidade
partindo para Angola no Niassa
a defender eu já não sei se a raça
se as roças de café da cristandade

a minha geração tinha a idade
das grandes ilusões sempre fatais
que não chegam aos anos principais
por defeito da própria ingenuidade

a guerra era uma coisa mais a Norte
de onde ela voltaria havendo sorte
à mesma e ancestral tranquilidade

azar de uns quantos se pagaram porte
esses a que atirou a dura morte
diz-se que estão na terra da verdade

Fernando Assis Pacheco, Respiração Assistida, Assírio & Alvim, Lisboa, 2003 ISBN 972-37-0847-7