Friday, May 12, 2006

Outro grande da língua portuguesa

Acordar, viver

Como acordar sem sofrimento?
Recomeçar sem horror?
O sono transportou-me
àquele reino onde não existe vida
e eu quedo inerte sem paixão.

Como repetir,
dia seguinte após dia seguinte,
a fábula inconclusa,
suportar a semelhança das coisas ásperas de amanhã
com as coisas ásperas de hoje?

Como proteger-me das feridas
que rasga em mim o acontecimento,
qualquer acontecimento
que lembra a Terra e sua púrpura demente?
E mais aquela ferida que me inflijo
a cada hora, algoz do inocente que não sou?

Ninguém responde, a vida é pétrea.

Carlos Drummond de Andrade