Fernando Pessoa
O tempo que hei sonhado
Quantos anos foi de vida !
Ah, quanto do meu passado
Foi só a vida mentida
De um futuro imaginado !
Aqui à beira do rio
Sossego sem ter razão.
Este seu correr vazio
Figura, anónimo e frio,
A viva vivida em vão.
A esperança que pouco alcança !
Que desejo vale o ensejo ?
E uma bola de criança
Sobe mais que a minha esperança,
Rola mais que o meu desejo.
Ondas do rio, tão leves
Que não sois ondas sequer,
Horas, dias, anos, breves
Passam – verduras ou neves
Que o mesmo sol faz morrer.
Gastei tudo o que não tinha
Sou mais velho do que sou.
A ilusão que me mantinha,
Só no palco era rainha:
Despiu-se e o reino acabou.
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